quinta-feira, 27 de julho de 2006

Crónica de um Concerto Casa da Música : Ryuichi Sakamoto &Alva Noto




Ryuichi Sakamoto & Alva Noto
"I want to break down the walls between genres, categories or cultures."

Ryuichi Sakamoto

Ryuichi Sakamoto apresentou o seu ultimo trabalho Insen, 2005 com Alva Noto na Casa da Música, no passado dia 11 de Julho 2006.

Depois da sua passagem pelo Coliseu do Porto, no projecto Morelenbaum2/Sakamoto com Jaques e Paula Morelenbaum, numa travessia pela bossa-jazz, confesso que as minhas expectativas eram enormes nesta actual incursão de tão conceituado compositor e intérprete.

"This global view to the different cultures is just part of my nature."

Ryuichi Sakamoto

Tratava-se de ouvir live o cruzamento do piano com a música electrónica, complementado pela projecção de texturas em imagens sonorizadas.

A sala Guilhermina Suggia estava lotada! Pessoas de todas as idades e diferenciados extractos culturais, como mais tarde se comprovou. Ambiente fervilhante, passerelle para alguns!

A Casa da Música distingue-se pela sua irredutibilidade no que concerne ao cumprimento de horário dos concertos agendados, mesmo que os espectadores melómanos fiquem retidos nas burocracias do parque de estacionamento ou nos labirínticos acessos aos elevadores menos centrais.

E acho muito bem! Horários são para ser cumpridos! Lá fora, tudo começa à hora marcada. Não há contemplações!

Sentada pois, desta feita na fila M, lugar nº 13 - nada contra o número - aproveitava os minutos iniciais para mais uma vez admirar a sala na sua belíssima amplitude cénica, olhando distraidamente as pessoas que se movimentava, enquanto aguardava a 'sacralidade' das 23 horas.

Já estranhara a hora do concerto - vim depois a saber que fora agendada para não coincidir com um jogo de futebol?! - e mais espantada fiquei ao constatar que as portas do auditório só se encerraram, passavam já alguns minutos das 23 horas.

Pode parecer preciosismo esta minutagem! Mas já ficara do lado de fora da sala, eu e outros incautos, apanhados pelos contratempos já anteriormente apontados, e em concertos bem menos publicitados.

Voltemos à sala... fez-se silêncio! As luzes iluminaram o palco e Sakamoto e Alva entraram com toda a simplicidade. Própria das grandes concertistas!

Deram início ao concerto. Sons entrelaçados numa fusão de timbres estranhamente belos, enquanto texturas policromáticas e/ou monocromáticas eram projectadas em ecrã junto ao coro. Uma miscigenação muito interessante e bem apelativa dos nossos sentires!

No final da primeira peça, eis que as portas da sala se entreabrem... Grupos de pessoas irrompem e deambulam acompanhados pelos guias-lanternas, incomodando quem escutava sobriamente os compositores. Incredulidade total!

Estávamos entretanto a meio da quarta ou quinta peça - já não posso precisar, até porque apanhada em estupefacção cacafónica - alguma movimentação ruidosa na sala! 

Relancei um olhar rápido. O momento único apelava ao silêncio e à veneração serena! E pasme-se! Movimentação contrária. De várias filas, espectadores levantavam-se, atropelando a audição e o olhar dos ouvintes atentos, e dirigiam-se para as portas, abandonando o concerto! Seria possível tanta iliteracia musical? Ética e cívica?

E a Casa da Música, pela terceira vez, naquela noite, abriu mão do seu ponto de honra: não fechou as portas à hora prevista, permitiu que pessoas entrassem depois do concerto ter iniciado, e permitiu que saíssem a meio da execução de peças musicais de músicos de renome mundial?

Actos destes, em qualquer cidade ou país, ditos civilizados, não seriam possíveis! Seriam considerados expoentes de falta de respeito pela arte! E de respeito pelos compositores/ intérpretes. Mesmo que não se aprecie!

Vi Sakamoto movimentar a cabeça, lançar um olhar num fugaz relance, para o triste espectáculo que se desenrolava na sala. Ligeira hesitação. Cheguei a pensar que abandonaria a sala. Mas, não! Manteve toda a dignidade. Bem como Alvo.

O interesse e a admiração sustidos dos muitos admiradores que permaneciam maravilhados perante a contemporaneidade das peças, fez com que poucos o notassem, envolvidos no fervor e nos aplausos verdadeiramente sentidos de encantamento pela arte do encontro de duas personalidades artísticas de áreas distintas mas não incompatíveis, como ficou demonstrado!

Um concerto belíssimo em sons e paisagens que cada um de nós explorou com fascínio.

No final, os aplausos repetiram-se vibrantes, tão vivos e entusiasmados  como se aquela sala repleta se tivesse mantido! 

Houve direito a um encore lindo em que Sakamoto deixou fluir a sua arte de virtuoso em nota intimista, sentado ao piano a solo.

"Instead of building walls or borders, I always try to combine different things. To me, is challenging and exciting."

Ryuichi Sakamoto


G.S.

Fragmentos Culturais

27.06.2006
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Referências: 

Citações de Ryuichi Sakamoto em http://www.sonyclassical.com
(consultado em 26-07-2006)