terça-feira, 29 de agosto de 2006

Joel Xavier & Thomas Stabenow



Joel Xavier & Thomas Stabenow

Fotografia: Markus Lackinger

"Joel Xavier has impressive facility: He plays Fado Roots with a serious touch of Jazz."

Toots Thielemans

A RTP2 tem investido ao longo deste mês de Agosto 2006 numa programação musical de qualidade. 

Percorrendo várias correntes ou géneros musicais - música 'erudita', jazz, pop-rock - concertos de excelente qualidade para abranger vários públicos e melómanos. Concertos nacionais e internacionais, uns em repetição, outros em divulgação.

Lamentável é que esta séria diversidade musical passe a horas tão tardias. Mereceria horas que contemplasse um público apreciador, claro, mas que desempenhasse também a função pedagógica de formar novos ouvintes.

Numa pausa de escrita, no passado domingo, ao fazer um pouco de zapping, deparei-me com um cenário divinal - Claustro do Palácio e Convento de Mafra - de fazer inveja a muitos outros de inegável beleza, confesso, que já pude admirar nesta ronda musical.

Não há dúvida que para quem não pode assistir ao vivo, fruir de momentos como estes, são uma pausa de grande fulgor estético e extasiante prazer.

A noite, tal como a que podíamos visualizar no ecrã, mostrava-se temperada, uma ligeira brisa quase imperceptível, espectadores em tons de verão, sem aquela expressão desconfortável que a sensação do frio provoca, mesmo pressentida.

Olhar para o pequeno ecrã e, ao mesmo tempo que ouvia os concertistas, poder admirar um cenário deslumbrante, nos momentos em que os planos se abriam para o exterior, deixavam-me presa a uma panorâmica de extraordinário enquadramento do Palácio e Convento de Mafra

Imagens sobrepostas, dando a dimensão cénica da beleza do monumento do século XVIII, em tonalidades avermelhadas, contrastantes com o brilho clássico do verde geométrico dos jardins do Claustro e o negro do pequeno palco. Nele, sobressaía em total sobriedade de gestos e postura musical, a presença de Joel Xavier em sons de inegável qualidade.

Logo aos primeiros acordes (perdi o início do concerto), fiquei envolvida na qualidade tímbrica da guitarra clássica, instrumento a solo que exige uma irrepreensível qualidade e limpidez de som. Só em algumas peças o contrabaixo de Thomas Stabenow vinha juntar-se-lhe, não numa atitude muito jazzística de diálogo instrumental, mais em suave contraponto moderato.

Já ouvira Joel Xavier, mas na sua vertente mais ligada ao fado. Que me perdoem os grandes apreciadores do género, mas tirando o célebre fado de Coimbra que aprecio profundamente pela nostalgia e beleza poética, não sou apreciadora do fado tradicional.

Pode soar a sacrilégio. As sensibilidades musicais não se moldam aos afectos patrimoniais. E na arte, mais do que em qualquer outra coisa, a subjectividade é marcante e não sujeita a influências externas.

Era então a primeira vez que prestava séria atenção à transversalidade da música de Joel Xavier, agora numa fusão de sons entre o fado e o jazz.

Fiquei extasiada pela musicalidade, virtuosismo, apuramento de sonoridades, mas também pela serena alegria que imprime ao rosto enquanto toca. E que sobriedade! Um músico que já sabe distinguir qualidade de exibicionismo. Influência de ambientes mais universalistas?

Tocar com Didier Lockwood - no mesmo cenário de Mafra, 2004 - Paco de Lucia Festival de Guitarra de Barcelona -  convidado a integrar o "Trio Acústico" de Richard Galliano (2003), gravar em duo com Ron Carter "Joel Xavier & Ron Carter in New York" num dos estúdios de Manhattan, são referências fantásticas.

Talvez que por isso mesmo Joel Xavier conserve uma simplicidade exemplar.

"I have been on hundreds of recording sessions, but not many have been as much fun, or rewarding musically as recording with Joel Xavier."

Ron Carter

G-S

Fragmentos Culturais

29.08.2006
Copyright © 2006-Fragmentos Culturais Blog, fragmentosculturais.blogspot.com®

Licença Creative Commons


Referências:
Citações e selecção de informação in http://www.joelxavier.com/
[consultado em 29.08.2006]


sexta-feira, 18 de agosto de 2006

Festival de Marseille 2006




Bailado: Sorrow Love Song
Cie Kubilai Khan Investigations*

«A choreograhic and multi-dimensional collective adapts a leading author from today's literature: a fisserud dream-like state»

in http://www.festivaldemarseille.com


O Festival de Marseille decorre anualmente na cidade de Marseille, França, durante um mês, este ano, de 12 Junho a 12 Julho. Um projecto pluridisciplinar onde se cruzam manifestações culturais ligadas à dança, música, teatro, cinema.

Realiza-se desde 1996, realçando-se pela forte identidade cultural. Cultiva a diferença, não se proibindo de nenhuma descoberta, e reinvindica uma total liberdade de espírito, multiplicando assim as colaborações com artistas conceituados e centros de criação contemporânea.

(texto com supressões, tradução livre)

Nunca assisti a este evento, mas todos os anos visito o sítio web oficial para me inteirar das actividades. 

Os textos informativos são de grande qualidade e as imagens disponibilizadas ilustram momentos de intensa beleza estética.

Uma actividade me prende sempre pela inovação, e naturalmente, pelo gosto particular e muito pessoal que nutro - a dança contemporânea.

Neste campo, todas as manifestações são sempre de muita qualidade, e sobretudo de inegável vanguardismo, já para não falar na diversidade.



Rosas | Anne De Keersmaeker
foto: Festival de Marseille/Danse
http://www.festivaldemarseille.com

Na edição 2005, o projecto de Anne Teresa de Keersmaeker & Salva Sanchis/Rosas foi aquele que mais despertou a minha sensibilidade estético-musical, com o trabalho Raga for the rainy season / A love supreme numa fusão de sons entre o jazz de John Coltrane e os cânticos indianos de Sulochama Brahapasti.

De Keersmaeker definiu esta sua criação como "une profonde méditation où les interprètes, tels des intercesseurs, louvoient quelque part entre terre et ciel".

Sem poder ouvir ao vivo esta miscigenação, posso supor, por conhecimento dos músicos e da sua obra e estilos, que associados à dança, deram origem um espectáculo infinitamente belo origina.

Este ano, ao entrar no sítio web, deparei-me de imediato com uma panorâmica, grande formato, de fotografias de Agnès Mellon - Le Festival 2006 en photos. Aconselho vivamente! É logo um deslumbramento!

Li em seguida, atentamente, muitas das informações sobre a maioria das manifestações que tiveram lugar, até que me detive, como é óbvio, um pouco mais nos espectáculos de dança. 


 Kubilai Khan Investigations - Sorrow Love Song

O que reteve a minha sensibilidade, desta feita estético-literária, foi o projecto de Kubilai Khan Investigations - Sorrow Love Song - inspirado na obra de Haruki MurakamiWind-Up Bird Chronicle (a editar brevemente pela Casa das Letras).

Por coincidência, leio neste momento, a segunda obra deste autor publicada em Portugal - Kafka à beira-mar, (Casa das Letras/Editorial Notícias, 1ª edição, Março 2006).

Esse facto, associado ao prazer inalianável da literatura que pratico e venero, em leituras constantes, e sempre actualizadas, de obras que despertam o meu interesse e imagética emocional.

A leitura de Kafka à beira-mar começa a ser hipnotizante...



 Kubilai Khan Investigations - Sorrow Love Song

Mas, voltando a Sorrow Love Song, para além de Murakami, outros aspectos há muito interessantes: a fusão da literatura, com música ao vivo e artistas circenses, numa coreografia de Khan "en quête de la nouvelle humanité, émotionnellement mutante et socialement hybride, née après le 11 septembre".

Esta problemática vivencial é profundamente ressentida na obra de Haruki Murakami e na vida de cada um de nós, indubitável.

Jamais seremos os mesmos, depois daquelas imagens aterradoras, dos gritos lancinantes de milhares de pessoas, apanhadas no incauto momento, e para tantas fatal. Actos sem definição humanizada possível.

Murakami reflecte um enorme desencanto face à vida urbana moderna e à constante e progressiva deterioração das relações humanas.

Pelas descrições feitas, o projecto de Khan conseguiu captar esse sentimento do autor, numa perspectiva plástica metafísica e muito realista.

Suponho que deve ter resultado numa fusão de extraordinária beleza. Um espectáculo a que gostaria de ter assistido.

Para quando a Casa da Música investir em espectáculos de dança contemporânea?

"A dança é o sonho profundo, a alma em quebrantos soltos. A libertação através do movimento extasiante, quase volatizado no espaço e na música."

G-S


G-S

Fragmentos Culturais

18.08.2006
Copyright © 2006-Fragmentos Culturais Blog, fragmentosculturais.blogspot.com®

Licença Creative Commons


domingo, 13 de agosto de 2006

Rolling Stones live no Porto ? Foi fantástico !





Rolling Stones, concerto Porto 2006
créditos: TVI24/Portugal Diário




Rolling Stones, concerto Porto, 2006
créditos: Álvaro C. Pereira
http://images-cdn.impresa.pt/blitz/

Fui ver o ouvir os Rolling Stones live no estádio das Antas! Cheio! É verdade, tinha posto a ideia de lado, e de repente uma oportunidade surgiu. 

Não é que seja a minha banda favorita, mas é, sem dúvida, uma delas. E Rolling Stones são uma referência importantíssima na música rock.



Rolling Stones
Digressão A Bigger Band


Pela terceira vez em Portugal, desta feita para dar sequência à digressão mundial de promoção do último álbum, A Bigger Band.

O estádio das Antas, Porto, encheu. Muito animação. Pessoas de todas as idades e níveis culturais, mas todas, em coro, entoaram os temas mais conhecidos da banda. E foram muitos os que vibraram de pé, em gestos exuberantes, uns ou captando tranquilamente imagens digitais via telemóvel.

Mick Jagger, Keith Richards, Charlie Watts e Ronnie Wood continuam bem vivos, com quase 45 anos de carreira.




Quem esquece Satisfaction (1965), o tema que os tornou para sempre imortais?!

Os Rolling Stones mantiveram-se em palco durante duas horas, sem paragens, deliciando os fãs de puro rock & blues num grande e esplendoroso concerto.

Cenários gigantescos, surpreendentes, ao bom jeito Rolling Stones.  Equipamento de enorme qualidade técnica e arquitectónica  possibilitou a montagem do maior palco jamais visto em Portugal. Deslumbramento total. 

As dezenas de milhar de espectadores, portugueses e estrangeiros, todos ficámos deslumbrados com o que vimos.



Rolling Stones
créditos: Autor não identificado
https://41.media.tumblr.com/

Mick Jagger imparável e turbulento, no seu jeito muito carismático, mais ponderado nos gestos, com os guitarristas Wood, Richards e Charlie Watts. Watts permaneceu ao longo de todo aquele dinâmico concerto, naquele seu jeito de quase impassível bonomia, por atrás da bateria, apenas sorrindo de quando em vez.

Ao quarteto juntaram-se, o baixista negro Darryl Jones, um coro de três elementos em que sobressaiu uma espantosa voz negras feminina, cujo nome  não consegui descobrir, um teclista e quatro sopros.

Alguns dos temas que adorei relembrar - Start Me Up, Let's Spend The Night Together, As Tears Goes By, Miss You Streets of Love (primeiro single internacional)Um tema featuring Keith Richards: This Place Is Empty.




Rolling Stones, Estádio das Antas
créditos: YouTube

A meio do espectáculo, uma plataforma deslocou-se do palco, percorrendo todo o relvado, trouxe até nós, fãs sentados nas bancadas situadas nos extremo oposto do palco principal, os Stones! Foi o delírio de jovens e menos jovens! Os Rolling Stones ali tão perto! Foi o momento mais ovacionado!

Houve quem saltasse para o relvado numa tentativa de poder captar imagens mais próximas ou acenar de bem perto, naquele gesto de 'imortalidade' concedido pelos ídolos.

O cenário fabuloso! Fogo de artifício, chamas autênticas, confesso que receei um pouco essa parte, muita gente, e a simbólica boca de Mick - marca registada dos Stones.

Uma homenagem comovente e discreta a Ray Charles caiu muito bem!

Os Rolling Stones terminaram o mega concerto com um encore - Satisfaction.

A noite quente convidava à esfuziante entrega ao ritmo quase sempre frenético da banda. Foi a festa total para todos! 
O entusiasmo envolvente dos sons e o poder de comunicação esfuziante de Mick Jagger não desiludiu todos os que lá estiveram!


"...os Stones abanaram o Dragão sem parar. Mick Jagger cantou, pulou, dançou e correu para a alegria dos fãs que o imitaram na assistência. Novos e velhos, durante duas horas, sem diferença de idades, estiveram absortos numa cápsula com o nome de «A Bigger Band»."*

TVI24



Não há dúvida que um concerto ao vivo tem um encanto imbatível! Uma mística envolvente!


São momentos estéticos, visuais e sonoros, que perduram na nossa memória sensitiva para sempre.

Gostaria de ter ouvido Angie

Ah! Curiosidade? Mick Jagger fez anos em 13 Agosto.


G-S

Fragmentos Culturais
13.08.2006


Referências: TVI24


sexta-feira, 11 de agosto de 2006

Ano Rembrandt : 400 anos




Rembrandt the Musical
Roy Beusker/AP

"Henk Poort, left, plays Rembrandt, and Wieneke Remmers, right, plays Saskia, during a dress rehearsal for 'Rembrandt The Musical' in Hoorn, Netherlands, in June 2006, ain this photo released by the company. The Dutch celebrate the 400th anniversary of Rembrandt's birth on July 15, when the musical opens for a six-month run. The lavish show seeks to present Rembrandt's exuberant and sometimes tragic life."

2006-07-15



Rembrandt with Beret and Turned-Up Collar, 1606

Celebra-se nos Países Baixos ou Holanda o 400º Aniversário do Nascimento de Rembrandt, o mais famoso pintor do século XVII.

As comemorações (1606-2006) iniciaram-se em 15 de Julho 2006, dia do nascimento do consagrado pintor.

Leiden, a cidade natal de Rembrandt van Rijn foi palco da primeira iniciativa cultural, um desfile da época que decorreu durante esse fim de semana.

"Four hundred years ago today in the Dutch city of Leiden, one of the most important and versatile artists in the history of western European art was born. And such is the enduring appeal of Rembrandt van Rijn that he is attracting record numbers of visits to his native country."

The Independent


Portrait of Saskia van Uylenburgh, ca. 1635
Rembrandt (sua mulher)

A vida e obra de Rembrandt poderão ser admiradas, pela primeira vez sem restrições, pelo público que sem dúvida será vasto!

E, no entanto, o pintor não teve uma vida felis. Saskia e três filhos morreram prematuramente.

Os eventos comemorativos do "Rembrandt Festival" decorrerão ao longo de todo o ano 2006.

A peça Rembrandt The Musical teve a sua estreia no Carré Theater, Amsterdão, em 11 de Julho 2006. Nela se procura ilustrar a vida exuberante e por vezes trágica do pintor.

Esta comemoração despertou-me lembranças - a alusão a Hoorn - cidade situada a 30 Km de Amsterdão, onde permaneci por uma semana, num projecto de intercâmbio cultural, já lá vão quase três anos!


The Abduction of Europa, 1632
Rembrandt

Nessa altura, visitei parte do RijsMuseum. As telas a que tivemos acesso deslumbraram-nos pela sumptuosidade e dimensão. As paredes desapareciam, dando lugar a uma exposição deslumbrante. Lamentavelmente curta.

Cores sombrias, onde o negro predominante contrastava com a luminosidade das personagens retratadas.

Tal como a semana que lá vivi! Fevereiro gelado, tempestades nocturnas com violentos ventos de sudoeste, característicos da região, dias muito chuvosos, húmidos, enevoados, quedas de neve, um tempo frio, na meteorologia e na hospitalidade.

A luminosidade fazia-se nos rostos dos jovens amigos que comigo partilharam a experiência.

Drive You Home*, tema dos Garbage embalou minha solidão, nessas noites desconfortáveis, num país distante.

(escrito e publicado em 16.06.2006, sob pseudónimo)

G-S

Fragmentos Culturais

11.08.2006
(reescrito)
Copyright © 2006-Fragmentos Culturais Blog, fragmentosculturais.blogspot.com®

Licença Creative Commons

Referência:

* Garbage, Beautiful, Drive You Home A & E Records Ltd. 2003


domingo, 6 de agosto de 2006

Hard Candy - o filme






Hard Candy, 2005


Nem sempre há filmes interessantes, em sala de cinema.

Adoro cinema! E lamento que as salas de circuito comercial não reservem um lugar maior para o cinema alternativo. Sei que não esgotará bilheteiras, mas certamente terá um público atento e apreciador.

Não vou ver qualquer filme, e nem todas as salas me agradam. Aspectos como o sistema de som e dimensão de ecrã têm importância. Não penso que uma ida ao cinema seja igual a uma sessão de DVD.

E o filme é fundamental! As minhas escolhas obedecem a aspectos que passam por um bom realizador, excelentes actores, um argumento original e, claro está, uma banda sonora imprescindivelmente de boa qualidade.

Hard Candy era o filme a ver, nessa semana. Estivera presente em dois festivais de cinema não comercial. E fora premiado no Festival de Cinema da Cataluña: Melhor Filme e Melhor Argumento.

O dia mostrara-se pouco convidativo para uma escapadela até à praia. Decidi-me então por uma sessão de final de tarde, pouco movimentada, sem grandes baldes de pipocas (abomino!) nem sorvedelas de coca-cola (outra praga!).




Hard Candy, 2005


O título original mantivera-se, coisa rara, e o tema prometia uma história complexa. 

O argumento centrava-se em duas personagens, tendo como cenário um ambiente minimalista.

Um homem de trinta anos, fotógrafo de profissão, e uma jovem adolescente de catorze anos marcam encontro via Internet, depois de longas horas em salas de chat. A jovem demonstrara uma maturidade muito além da sua idade. Ao longo da trama vem a exibir um comportamento fortemente penalizador, levado a uma frieza extrema no desenvolvimento de um encontro que parecia inofensivo.

Hard Candy, dois conceitos opostos que levarão à descoberta de amarga surpresa para a personagem masculina.

Esperava um thriller bem conceptualizado, com um argumento focalizado na realidade dos encontros virtuais, com desencantos talvez, mas sem agressividade.

Enganara-me redondamente! Deparei-me com um filme perturbador, correcto, e de grande intensidade psicológica. A câmara, em grandes e fechados planos, close-up, não nos permitia a fuga. Obrigava-nos a tomar partido, chamando-nos a depor, testemunhas mudas, o que deixou os espectadores presentes, desconfortáveis. Algumas pessoas abandonaram a sala. Eu cheguei a hesitar.

É um bom filme, sem sombra de dúvida! Mas de trama psicológica arrepiante!




Ellen Page
Hard Candy, 2005

Interpretação incrível de Ellen Pageuma jovem actriz de 14 anos (quem diria?!), diálogos sibilados, planos longos e cheios, violência fria, premeditada, nas palavras e nos actos, que em crescendo vão quase torturando o olhar e os sentidos dos espectadores.

Aprecio filmes com argumento forte, histórias bem narradas. Fragmentos da vida real sim, mas em tons de testemunho vivencial, mesmo que efabulado, mais sereno, e sobretudo, menos viciado e maquiavélico.

Este filme ultrapassou os meus limites para aquele final de tarde.

O problema social e ético subjacentes são assuntos que a todos nós, regidos por valores existenciais, preocupam. E merece uma profunda reflexão da sociedade.

Mas pôr o ênfase justiceiro numa jovem que não possui ponta de ingenuidade, chocou-me! Será esse o impacto que realizador e argumentista quiseram transmitir? 

Por trás do ar cândido e infantil da intérprete, sublimemente trabalhado pela câmara, uma cabeça feita de arrojo, vontade fria, inabalável, de levar seus actos ao extremo, inexoravelmente.

Ver alguém tão jovem possuir uma arte de sedução tão burilada, capaz de baralhar um ser adulto, experimentado, fez-me questionar tantos conceitos!

Que juventude se estará a desenvolver, ao crescer em ambientes opacos, flou, de salas de chat, Hi5, Myspace e outras redes virtuais?

Que mentes estragadas - e veio-me à ideia o caso dos dois adolescentes do Liceu Columbine - estarão a ser forjadas pelas novas sociedades ditas 'civilizadas', sem o acompanhamento familiar adequado e ajustado aos novos desafios de uma outra sociedade?

E que jovens irão ver o filme? A maior parte estará na faixa etária, por vezes inferior, à da personagem feminina descrita. Como se envolverão?

Preparem-se! Não é facilmente digerido. Aproveitem um dia de bem-estar. Porque vão sair bem intranquilos.

Ou então, vejam-no como uma ficção surreal. Mas, não se enganem! É que a ficção está demasiadamente próxima da realidade.

Eu não consegui sair airosa e ligeira. E, como eu, ninguém que permaneceu naquela sala até ao final, para não falar nos espectadores que a abandonaram.

Recomendo-o, mas a um público maturo. Deixa-nos bem pensativos.


(escrito e publicado em 7.07.2006, sob pseudónimo)

G-S



(escrito e publicado em 7.07.2006, sob pseudónimo)

Fragmentos Culturais

06.08.2006
(revisto)

Licença Creative Commons