sábado, 25 de julho de 2009

Amália ao som do Jazz




Mário Laginha | Bernardo Sassetti
www.casadamusica.pt

Ainda tenho os ouvidos presos, impregnados daquelas sonoridades soltas, misto de alegria e melancolia originários do cruzamento destes dois excelentes músicos e pianistas. Trata-se do concerto de ontem à noite, dia 25 de Julho, na Casa da Música.

Na belíssima sala que tem o nome da violoncelista Guilhermina Suggia, as pessoas aguardavam, com curiosidade serena, ouvir a obra inédita. A sala estava praticamente cheia. Mais uma vez o espaço do coro foi aberto. Eu gosto de lá ficar quando se trata de um concerto de piano solo. Dá-nos uma dimensão muito intimista com os solistas, já que bem de perto os admiramos e podemos seguir com maior recolhimento a arte de tocar piano. No entanto, não foi aí que me sentei.





Casa da Música 
créditos: AP
britanica.com

Para mim, uma sala de concerto é lugar de culto. Aí perpassa um ritual. Essa mística que vai de uma plateia na penumbra, silenciada, para um palco minimalista onde as silhuetas dos concertistas se destacam com grande simplicidade, é de grande partilha.

Não foi diferente desta vez! Os dois músicos solistas fizeram sua entrada no palco, e durante mais de duas horas, encheram a sala de sonoridades portuguesas tocadas em ritmos de jazz numa miscigenação estética de enorme originalidade. 

Mário Laginha e Bernardo Sassetti estrearam com mestria e muita sensibilidade a obra inédita "Trago Fado nos Sentidos", encomendada pela Casa da Música para integrar o ciclo de homenagem a Amália Rodrigues, na passagem dos 10 anos da morte da fadista.






"A música de Mário Laginha e Bernardo Sassetti tem-se cruzado frequentemente em mundos tão diversos como o jazz, a música clássica ou as canções de José Afonso. Desde que tocaram juntos pela primeira vez há quase uma década, têm sido vários os pretextos para novos encontros entre os dois músicos. O fado não é estranho à dupla, tendo já originado novas composições, arranjos e reinterpretações, e é o mote para este concerto dedicado à memória de Amália Rodrigues, dez anos depois da sua morte."

Que me perdoem os admiradores de Amália e do fado! Mas não sou apreciadora do fado, canção nacional representativa do país! Embora reconheça que Amália fez muito por Portugal, e que foi ovacionada nos quatro cantos do mundo, tendo cantado nas melhores salas de música.

Em contrapartida, o jazz é a música que tem tudo a ver comigo! Identifica-se com  o meu universo pessoal.





Mario Laginha
via Público

Mas, aos primeiros acordes, quedei-me, ouvido atento em completa quietude, captando os sons que se desprendiam dos dois majestosos pianos de cauda. Serenidade, graciosidade, ouvia-se em touches ora suaves ora velozes que se espalhavam pela sala.


Foi incontestável a riqueza tímbrica destes dois enormes vultos da música de jazz, numa fusão cuidada, plena de cambiantes rasgados que iam das sonoridades mais extrovertidas às tendências mais intimistas

Partindo de alguns fados celebrizados por Amália, Laginha e Sassetti construíram paisagens surpreendentes, genuinamente portuguesas, bem ao ritmo do jazz.

Houve momentos muito belos! Recordo ao acaso, o fado menor, impregnado de melancolia ou a morna esfuziante de ritmo!

O concerto incluía duas peças originais, uma de cada músico, que bem se enquadraram na temática da noite, deixando transparecer a identidade carismática da composição pessoal.

E todos nós espectadores|ouvintes colocados em espaços distintos, mas usufruindo das mesmas emoções, nos deixámos enlear por tão forte expressão de afectos atirados em música, como rosas perfumadas de mil tonalidades para Amália.

Laginha e Sassetti são inquestionavelmente dois dos mais talentosos pianistas portugueses de jazz da actualidade. E dois compositores de grande qualidade.

E depois, aquela cumplicidade envolvente de tocar juntos que deixaram transparecer, estendendo a sua criatividade muito para além das fronteiras do jazz, saltava para o público num jogo feito de espontaneidade e prazerosa alegria.


Os músicos tornaram ainda mais rico este momento de jazz que por ser feito de improviso, terminou em cadências de blues, num encore a quatro mãos, divertido, quase pueril, como quem brinca com os sons resgatados a um piano pleno de magia!

Um deslumbrado encantamento para o sentir! E para o olhar! Uma noite linda!

G-S

Fragmentos Culturais

 
27.07.2009

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quarta-feira, 22 de julho de 2009

Direitos Humanos : Tributo







Natalya Estemirova 
créditos: Reuters
http://i.dailymail.co.uk






Natalya Estemirova
Defensora Direitos Humanos
http://img.rtp.pt/icm




Natalya Estemirova, defensora dos direitos humanos, galardoada com a Medalha Schumann pelo Parlamento Europeu, em 2005, foi encontrada morta no dia 14 de Julho 2009.




Anna Politkovskaya |Jornalista
créditos: Sergei Supinsky/AFP 2006
https://news.yahoo.com/

Natalya Estemirova trabalhou lado a lado com a jornalista Anna Polirkovskaya, também assassinada em 2006.

Anna Politkovskaya, defensora da liberdade de imprensa.




Tributo Anna Politkovskaya
créditos:Pavel Golovkin/AP
via The Guardian


Eu sabia que tinha de haver um sítio

Onde o humano e o divino se tocassem

Não propriamente a terra do sagrado

Para uma terra para o homem e para os deuses

Feitos à sua imagem e semelhança

Um lugar de harmonia

Com sua tragédia é certo

Mas onde a luz incita à busca da verdade

e onde os homens não têm outros limites

Senão os da sua própria liberdade.


Manuel Alegre, Ilha de Cos, Chegar Aqui, 
Edições João Sá da Costa, Lisboa 1984, 1ª ed. pág. 31


G-S

Fragmentos Culturais

22.07.2009
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sábado, 4 de julho de 2009

Pina Bausch 1940-2009: um tributo





Pina Bausch
http://sol.sapo.pt

O corpo e o movimento são a melhor possibilidade de expressar o que me emociona e nos emociona a todos.

Pina Bausch

Morreu abruptamente a bailarina e coreógrafa alemã Pina Bausch.

E Pina Bausch é para mim, como para todos os verdadeiros admiradores desta arte sublime, a dança, a referência maior, quase única das últimas décadas!



Pina Bausch 1940-2009
créditos: Gonçalo Santos


A coreógrafa nasceu na Alemanha, em Solingen, no ano de 1940. Estudou dança a partir de 1955, em Essen, na Folkwang School, e obteve o diploma em 1958.

Uma bolsa permitiu-lhe estudar em Nova Iorque, onde permaneceu por três anos.

©AP


Helena Pikon e Rainer Behr
"For the Children of Yesterday, Today and Tomorrow"
http://www.nytimes.com


Pina Bausch veio a Portugal variadíssimas vezes. A primeira em 1989 nos "Encontros Acarte" e a penúltima em 2007 com o bailado "For the Children of Yesterday and Tomorrow", apresentado no Teatro Camões, em Lisboa.


Pina Bausch
For the Children of Yesterday and Tomorrow
Lisboa 2007

Relembro algumas linhas que redigi em 25.04.2007:

Na entrevista dada ontem, sentada à mesa do foyer do Teatro Camões, Pina Bausch respondeu, discreta nos gestos e nas palavras, a perguntas sobre o seu papel de criadora e coreógrafa:

"Talvez eu tivesse trazido a capacidade de fantasiar e interrogar."




Pina Bausch
Café Müller

Pina Bausch
defendeu acima de tudo que a dança deve dar atenção aos sentimentos, desejos e dores de modo a tocar o público e não ser apenas algo de belo e de bom.

Este é um trabalho baseado em excertos das obras Keepers of the Night - Native American Stories, Nocturnal Activiteas for Children de Michael J. Caduto e How the Bath Came to Be de Joseph Bruchac.


Como músicas escolheu, entre outras, peças de Prince, Caetano Veloso, Nina Simone, Goldfrapp, Gerry Mulligan, Lisa Ekdahl, Naná Vasconcelos, Shirley Horn e Gotan Project.



Pina Bausch | Teatro S. Luís

Em 2008, o nosso país homenageou-a com o Festival Pina Bausch co-organizado pelo Centro Cultural de Belém e pelo Teatro S. Luís



Um ciclo de conversas, filmes e três peças: a estreia nacional de "Nefés", sobre Istambul, "Masurca Fogo", feita sobre Lisboa em 1998 e apresentada na altura, e o mais lembrado "Café Müller".



Pina Bausch
Café Müller
http://sol.sapo.pt

A criadora foi agraciada com vários prémios, o último dos quais o Prémio Goethe, na Alemanha. Na cerimónia de entrega, o realizador Wim Wenders dizia que este era o reconhecimento da sua criatividade na dança moderna o que originou a criação de "uma nova arte". 

Segundo Wenders, as coreografias de Bausch mostram "o movimento como meio de comunicação vernáculo do ser humano".

Pina participou no filme de Fellini "O Navio" (1982) e depois em "Fala com Ela", de Pedro Almodóvar (2001). Quem não lembra?




Ruth Amarante e Jorge Puerta Armenta “Nefés
http://www.nytimes.com

Há muito que seguia a obra de Bausch. Fundadora do Tanztheater Wuppertal Pina Bausch, diferente, original, inovadora, provocadora. Sentida! Vida!

A visitar a Fotogaleria do Público aqui. Imortal.



Pina Bausch 
credits : Wilfried Krüeger


Relembro um texto original que escrevi em 2007:

Dançar! Expressão corporal que diz tudo da alma. Soltar seus passos, lançar seus braços em gestos de mil sentires. Revolta extasiante e libertadora das pulsões não experienciadas.

Todo o ser é ilhéu na sua verdadeira, íntima essência. Todo o ser se encontra solitariamente contido no cabo bojador dos dias e das tormentas. E na dança dos gestos não contidos, ele avança sem véus nem máscaras.


Todo o ser espera com olhos levantados, muito para além do quebrar das fendas de se âmago, pela acalmia em sabores de musical maresia.

Vibrações do tempo em
crescendo ou rallentando que se espraiam no horizonte da vida, em movimentos soltos e desanuviadores de um corpo que grita da alma aromas de jardins e sons intensos.

Fragrâncias onde a vida repousa e a morte se abriga. Compassos sincopados, vozes e murmúrios modulados em notas ora dolentes ora arrebatadoras, sentidas, num pianissimo dedilhadas, explodindo depois de um da capo portentoso, dramático, sons de percussão, metais e cordas.


Sintonia de sentimentos polifónicos profundos que tanto reflectem a turbulência das emoções do meu Ser!


©G-S texto original, publicado sob pseudónimo em 04.04.2007

"Minha alma é uma orchestra oculta; não sei que instrumentos tange e range, cordas e harpas, timbales e tambores, dentro de mim. Só me conheço como simphonia."

Bernardo Soares, Livro do Desassossego,
Tomo I, Atica 1982

G-S

Fragmentos Culturais

06.07.2009

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fontes: DN e Sol online