quarta-feira, 25 de março de 2015

Herberto Helder, ausência do silêncio




créditos: José Oliveira, Junho 2014

"Não é preciso dizer nada. Sequer o nome dele. A ventania, toda a noite e dia, disse tudo. Se é verdade que o vento leva as palavras, as palavras dele não eram palavras: eram o vento. E o vento vem sempre ter connosco. Volta."

Miguel Esteves Cardoso, in Público


Morreu Herberto Helder. Parafraseando Esteves Cardoso, não é preciso dizer muito. 

RTP2 difundiu ontem à noite um documentário sobre Heberto Helder em jeito de homenagem. Testemunhos de muitos dos estudiosos da sua obra, professores, poetas, escritores. E o poeta? Oculto.

Ficam os livros - versos, prosa - que se perpetuam na leitura. Perdemos o corpo, o olhar de coisas intangíveis, isolado dos excessos do mundo tangível. Mas não a sua grandiosa forma de escrever o cosmos.



Respeito o recato do poeta. E pouco escrevo.

Deixarei os jardins a brilhar com seus olhos
detidos: hei-de partir quando as flores chegarem
à sua imagem. Este verão concentrado
em cada espelho. O próprio
movimento o entenebrece. Mas chamejam os lábios
dos animais. Deixarei as constelações panorâmicas destes dias~
internos.


Vou morrer assim, arfando
entre o mar fotográfico
e côncavo
e as paredes com as pérolas afundadas. E a lua desencadeia nas grutas
o sangue que se agrava.

Está cheio de candeias, o verão de onde se parte,
ígneo nessa criança
contemplada. Eu abandono estes jardins
ferozes, o génio
que soprou nos estúdios cavados. É a cólera que me leva
aos precipícios de agosto, e a mansidão
traz-me às janelas. São únicas as colinas como o ar
palpitante fechado num espelho. É a estação dos planetas.
Cada dia é um abismo atómico.
(...)

Herberto Helder, Deixarei os jardins a brilhar com seus olhos (excerto)
in Cobra, Poesia Toda, Assírio & Alvim

G-S

Fragmentos Culturais
25.03.2015
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2 comentários:

  1. Não há muito a dizer.
    As palavras foram quase todas "gastas" por ele, e de uma forma sublime.
    E perduram...

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  2. De acordo, João. Leiamos o poeta.

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