quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Natal, tempo de mudança






créditos: Autor não identificado


Falavam-me de Amor

Quando um ramo de doze badaladas 
se espalhava nos móveis e tu vinhas 
solstício de mel pelas escadas 
de um sentimento com nozes e com pinhas, 

menino eras de lenha e crepitavas 
porque do fogo o nome antigo tinhas 
e em sua eternidade colocavas 
o que a infância pedia às andorinhas. 

Depois nas folhas secas te envolvias 
de trezentos e muitos lerdos dias 
e eras um sol na sombra flagelado. 

O fel que por nós bebes te liberta 
e no manso natal que te conserta 
só tu ficaste a ti acostumado. 

Natália Correia, in 'O Dilúvio e a Pomba' 



Natal. Falavam-nos de amor na nossa infância. E daí o Natal nos trazer o desejo de paz de espírito. E com essa paz de espírito, a vontade de valorizar apenas o que devemos valorizar. Fácil? Escrever, sim. Difícil de praticar.

Surge um pensamento. Natal é época de paz. Vamos então largar. Largar? Sim, largar! Largar tudo o que nos traz tristeza. Limpar a alma, equilibrar energias. Já que cá estamos, larguemos! 

O mundo, tantas pessoas estão bem mais infelizes do que nós. Guerras, morte, medo, doenças. Larguemos, pois!


Vamos sim avaliar o que nos limita a felicidade. E decidir o que devemos largar. Os amigos que não são, as maldades de alguns familiares, a conversa oprimida na garganta. 

Partilho esta minha reflexão, ao reler o poema de Natália Correia. Aspectos que mais nos desestabilizam? O perdão. 

Sim porque passamos a vida a dizer que perdoamos, mas se não esquecemos, é porque bem, lá no fundo, o perdão não se fez.

A idade traz-nos uma evidência. Preocupar apenas com aqueles que amamos. E que quando tudo corre bem, também nos amam. 

Mas nem sempre o amor resiste a tudo. E, aquele malfadada 'aversão' é alimentada por mal-entendidos, mágoas, atitudes mal geridas, palavras atiradas como pedras. Magoam, ferem, matam afectos. 

O amor em geral enquadra em si actos de loucura. Vamos engolir o orgulho. Por amor não é vergonha. O bem-estar e leveza do 'assunto' sanado é real. Até certo ponto. 

Mas vale bem a pena 'arrumar' para poder largar. Entenda-se que o largar se refere ao assunto e não à pessoa. Embora, por vezes, também seja necessário largar a pessoa.

Aproveitar o espírito de Natal que teima em alojar-se em nós. E é uma excelente desculpa.

Pois então. Falemos com aquele familiar que passa o ano sem ligar, mas que no Natal faz um telefonema a desejar - Feliz Natal! 

Levantemos a hipótese de um convite para uma ceia de Natal.

E há ainda, os tios, primos, amigos. Expressemos o que trazemos preso na garganta, o que nos magoou, irritou, afastou. Aquilo que quisemos dizer e não dissemos. Por orgulho? Não sei.

Vamos lá! Digamos. E sintamos a reacção. Choro, abraços? Aproximar-se ou afastar-se, mas tentemos resolver. Hoje, porque amanhã pode já não dar. 

Não vivamos com o que devia ter sido dito, devia ter sido feito. Digamos! Façamos! Nem que assumamos humildemente que o fazemos por nós, pelo direito a ser felizes.


G-S

22.12.2016
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quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Joel Santos, português : Melhor Travel Photographer of the Year 2016





Etiópia: Depressão de Afar (ou Depressão de Danakil
créditos: Joel Santos


"Joel's two portfolios - entered in the Land Sea Sky and Journeys & Adventures categories - exhibit a remarkable diversity in subject, technique and feel. "

Judges thoughts

O fotógrafo português Joel Santos foi o grande vencedor do concurso Travel Photographer of the Year, ou seja, foi eleito fotógrafo de viagens do ano pelo painel da organização baseada em Londres.

Os trabalhos que mereceram a distinção foram fotografados na Etiópia e no Gana

As imagens vencedoras podem ser vistas aqui e estarão em exposição em Londres no próximo ano.





créditos: Joel Santos
https://www.facebook.com/Joel.Santos.Photography/


O júri considerou que os trabalhados apresentados por Joel Santos, nas categorias "Terra Mar Céu" e "Viagens e Aventuras", mostram uma "assinalável diversidade nos motivos, na técnica e na sensação".

Um dos trabalhos foi fotografado na Etiópia, na Depressão de Afar (ou Depressão de Danakil), com uma câmara montada num drone.

"The first portfolio, shot in Ethiopia's Danakil Depression, is the first winner to be shot using a drone-mounted camera, giving us a different perspective on this dramatic landscape and revealing dramatic detail which wouldn't be visible at ground level."

judges thoughts 

É o primeiro fotógrafo a vencer um prémio com imagens tiradas a partir de um drone. 

O júri salienta a "perspectiva diferente desta paisagem dramática", que revela "pormenores dramáticos que não seriam visíveis ao nível do solo".






créditos: Joel Santos
https://www.facebook.com/Joel.Santos.Photography/


"The second portfolio is a sensitive and intimate insight into the life of a Ghanaian fisherman on Lake Bosumtwi. In dull weather conditions these subtle images create beautiful shapes against the light, balancing detail in lowlights and highlights without the need to overlighten the all important shadow areas of the image which give it depth."

Judges thoughts





Joel Santos deixa um convite na sua conta Facebook:

"Os dois portefólios vencedores do Travel Photographer of the Year 2016, vão estar expostas, em primeira mão, na Colorfoto Megastore de Alvalade, com inauguração marcada para dia 16 de Dezembro, sexta-feira, às 17:00 horas.


Estarei presente amanhã e, também, no Sábado, conjuntamente coma a acção "Ofereça Fotografia neste Natal" e sessão de dedicatórias para os livros de fotografia FOTOgrafia, FOTOcomposição, FOTOpad, entre outros.


Fica o convite para esta celebração da fotografia, esperando ter a honra da vossa presença! Boas Festas!"





Faz ainda saber que os dois portefólios vencedores do "Travel Photographer Of the Year 2016", constituídos por 8 fotografias, vão estar em exposição em Londres e Hull (Reino Unido, com data a anunciar), entre outros países.


Já em 2011, um outro fotógrago português, Vítor Melo fora vencedor fora vencedor do Urban Photographer of the Year que na categoria Cities at Work captou um artesão tunisino a trabalhar o  bronze.

E em 2012, Carlos Esteves obteve uma Menção Honrosa no Travel Photographer of the Year, na categori Best Single Image in a Portfolio - Journeys. No mesmo ano, foi ainda finalista na competição internacional de retratos Shoot the Face.

Não faço fotografia, mas admiro muito quem faz. E perco-me tantas vezes, na busca do que está para além da imagem: pessoas, animais ou paisagens. 

É uma viagem interior que se faz pelos olhos de alguém, e que acordam em nós sentimentos de magia e partilha que ultrapassa um simples recorte de beleza.

Considero a fotografia uma arte que exige uma estética do olhar de grande sensibilidade. Com ela viajamos bem longe. Quase como um livro que se abre e que nos envolve. Alquimia no seu estado puro.


Parabéns Joel Santos !

G-S

Fragmentos Culturais

15.12.2016
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domingo, 27 de novembro de 2016

Elena Ferrante, a insondável : Escombros, edição portuguesa





Escombros/ Elena Ferrante
Relógio d'Agua editores

Escombros de Elena Ferrante, (2003), com tradução de Margarida Periquito, vai ser editado no próximo dia 29 de Novembro. Contém um conjunto de escritos pessoais da autora italiana cuja verdadeira identidade continua desconhecida. Este anonimato tem sido alvo de muitos artigos de opinião e alguma 'extrapolação'. A ler o artigo Elena Ferrante, literary storm as Italian Reporter 'identifies' author. Será que o colunista 'identificou' mesmo? 





 La Frantumaglia
Elena Ferrante

Escombros cujo título original é La Frantumaglialeva-nos aos bastidores do trabalho de Elena Ferrante, "permitindo-nos um olhar para as gavetas de onde saíram alguns dos seus romances e para as suas relações literárias com o mundo clássico grego e latino" e com Elsa Morante, (mulher de Alberto Moravia, dois escritores, também italianos, que muito admiro) e outros autores que ama. 




Elsa Morante

"The majority of Morante’s leading characters use autobiography as a way to seek self-therapy and hope."

Ferrante responde a perguntas que leitores e jornalistas lhe fizeram ao longo dos anos. 

Defende que quem escreve um livro faria bem em pôr-se de parte e deixar que o texto siga o seu percurso.

"Eu acredito que os livros não precisam dos seus autores para nada, depois de escritos. Se tiverem alguma coisa para contar, mais cedo ou mais tarde encontrarão leitores; se não, não."

Elena Ferrante in Escombros, 2016



Elena Ferrante
Gabriel Bouys/AFP/Getty Images

A vontade de manter a privacidade, como a escritora faz saber, vem de encontro a um artigo muito interessante que li há poucos meses Who cares who Elena Ferrante really is? She owes nothing.

"It does not matter who she really is. She is not accountable to us in any way. Oh, but apparently she must be treated like a fraud or a criminal or dodgy celeb and stripped of her privacy …"

Suzanne Moore, The Guardian/ Books

Questão sobre possível identidade da escritora, a que o New York Times/ Books contrapõe em Elena Ferrante : An Answer

"Ever since the first novel by Elena Ferrante was published in Italy in 1992, and especially since the sensational success of the four novels that make up the Neapolitan quartet (2011-2014), there has been much speculation about the writer’s identity."

Claudio Gatti, The New York/ Books

Será de todo o direito respeitar a vontade soberana de Elena Ferrante, o que nem todos os críticos/ colunistas defendem. Especulação vende mais.

Não vou deambular sobre possível crítica pessoal dos livros de Elena FerranteJá tantos o fizeram. É uma autora que anda na mão de muitos leitores. Seria um assunto sem interesse, para muitos. 

Vou deter-me um pouco sobre a especulação que gira à volta do anonimato da escritora.

Confesso que para mim a sua real identidade não é importante. O prazer de ler seus livros sobrepõe-se.

Considero, como a própria autora escreve, que a privacidade de um escritor ou uma escritora deve ser mantida, se é essa a sua expressa vontade. 

Até porque muito pouco acrescenta aos livros que apreciamos profundamente. Deleitemo-nos apenas com seus livros. E é tanto!

A imaginação é bem mais poderosa. Deixa-nos divagar sem esteios. 





Um Estranho Amor
Elena Ferrante
Edições Dom Quixote

Em EscombrosFerrante fala dos pensamentos e da ansiedade que sentiu quando o seu primeiro romance, Um Estranho Amor, foi adaptado ao cinema e de como é complicado para ela encontrar respostas sintéticas para as perguntas de uma entrevista (dada em 2015)

Elena Ferrante conta ainda 'das alegrias, trabalhos e angústias de quem narra uma história escavando dentro do seu universo pessoal de experiências e das lembranças, próprias e alheias.'





Montagem de capas de livros de Elena Ferrante
Observador

Elena Ferrante, na lista finalista The Man Booker International, é quase desconhecida, seus livros não. Apoiada numa escrita confessional, clara, e na imensidão de leitores, a sublime contadora de histórias, de identidade desconhecida, tornou-se uma obsessão. Por que razão?



História da Menina Perdida
(livro IV)
Elena Ferrante
Relógio d'Água

Nomeada para o Man Booker Prize International (2016) pelo último dos quatro livros, História da Menina Perdida, não saíu do anonimato. 

Ficamos a saber em Elena Ferrante makes Man Booker International shortlist que uma série televisiva está a ser desenvolvida baseada na sua sequela.

Raramente os livros dão boas adaptações ao cinema ou televisão. Especialmente se já lemos as obras antes de ver os filmes. É sempre uma visão, nem sempre conseguida, de um realizador. A nossa visão pode ter ido mais além.

Aconteceu-me com A Rapariga do Combóio baseado no livro de  Paula Hawkins, The Girl on the Train, apesar da excelente actriz Emily Blunt ser a protagonista. Apenas um exemplo, dado que vi o filme em exibição nas salas de cinema há duas semanas.





A Amiga Genial
(livro III)
Elena Ferrante
Relógio d'Água

Mas não é o anonimato ou o enigma que dá início à narrativa de A Amiga Genial (livro III que explica o poder assombroso que Elena Ferrante tem sobre os leitores. É mais provável que seja o mistério da vida. Da nossa vida. 

Em quatros volumes escritos como um único romance, Elena Ferrante consegue 'agarrar-nos'. As suas personagens colam-se a nós.




Storia della bambina perduta
Elena Ferrante

Em 2016 fora-lhe 'entregue' o Premio Strega pelo livro Storia della bambina perduta.

"Storia della bambina perduta è il quarto e ultimo volume della saga L’amica geniale. Le due protagoniste Lina (o Lila) ed Elena (o Lenù) sono ormai adulte, con alle spalle delle vite piene di avvenimenti, scoperte, cadute e “rinascite”.  

(...)

Il romanzo è soprattutto la storia di questo rapporto di amicizia, dove le due donne si scontrano e s’incontrano, s’influenzano a vicenda, si allontanano e poi si ritrovano, si invidiano e si ammirano. Attraverso nuove prove che la vita pone loro davanti, scoprono in sé stesse e nell’altra sempre nuovi aspetti delle loro personalità e del  loro legame d’amicizia."


Premio Strega





Helena Ferrante
créditos: Helder Oliveira

"One truth remains: if you want to know who Elena Ferrante is, there is a very simple way to find out. Read her books."

Suzanne Moore, The Guardian/ Books

Num excerto que podemos ler online no site da Relógio d'Água, Elena Ferrante escreve uma carta sobre a sua reacção ao Prémio Procida, Isola di Arturo - Elsa Morante, que distinguiu o seu primeiro livro. A autora não compareceu para receber o prémio. E explica:

"Esta história do prémio está a perturbar‑me muito. Devo dizer‑te que aquilo que me faz mais confusão não é o meu livro ter sido premiado, mas o prémio ter o nome de Elsa Morante. A fim de escrever algumas linhas de agradecimento, que fossem acima de tudo uma respeitosa homenagem a uma escritora que muito amei, pus‑me à procura, nos livros dela, de passagens adequadas à circunstância. 

(...)

Não irei receber prémios, se mos quiserem dar. (...) Só intervirei por escrito, mas procurarei limitar também isso ao mínimo indispensável.

(...)

Gosto muito daqueles livros misteriosos, de tempos antigos e modernos, que não têm um autor certo mas que tiveram e têm uma intensa vida própria. Parecem‑me uma espécie de prodígio noturno, como quando, em pequena, esperava os presentes da Befana, ia para a cama muito agitada, e de manhã acordava e lá estavam os presen‑ tes, mas a Befana, ninguém a tinha visto. Os verdadeiros milagres são aqueles que ninguém chegará a saber quem os fez, quer sejam os pequenos milagres dos espíritos secretos da casa, ou os grandes milagres que nos deixam realmente de boca aberta. Ficou‑me este desejo infantil de maravilhas, pequenas ou grandes, ainda acredito nelas. A ler integralmente online.



L' Amore Molesto
Elena Ferrante

Como a autora não foi receber o Prémio Primeira Obra, atribuído a Um Estranho Amor pelo júri da 6.ª edição do Premio Procida, Isola di Arturo — Elsa Morante (1992), enviou à editora a carta aos jurados acima transcrita (excertos), que foi lida durante a cerimónia de entrega do prémio. 

O texto foi publicado nos Cahiers Elsa Morante, com organização de Jean‑Noël Schifano e Tjuna Notarbartolo, Edizioni Scientifiche Italiane (1993), sendo agora divulgada neste livro, com ligeiras alterações. 

Aguardamos com muita expectativa, o volume IV Escombros. Faltam só dois dias.

"I don't protect my private life. I protect my writing, I protect it from the same urgency to publish."

Elena Ferrante, an interview, 2015


G-S

Fragmentos Culturais

27.11.2016
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