sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Um poema para o Novo Ano : reflexão !




credits: unknow


A Vida

A vida, as suas perdas e os seus ganhos, a sua 
mais que perfeita imprecisão, os dias que contam 
quando não se espera, o atraso na preocupação 
dos teus olhos, e as nuvens que caíram 
mais depressa, nessa tarde, o círculo das relações 
a abrir-se para dentro e para fora 
dos sentidos que nada têm a ver com círculos, 
quadrados, rectângulos, nas linhas 
rectas e paralelas que se cruzam com as 
linhas da mão;

a vida que traz consigo as emoções e os acasos, 
a luz inexorável das profecias que nunca se realizaram 
e dos encontros que sempre se soube que 
se iriam dar, mesmo que nunca se soubesse com 
quem e onde, nem quando; essa vida que leva consigo 
o rosto sonhado numa hesitação de madrugada, 
sob a luz indecisa que apenas mostra 
as paredes nuas, de manchas húmidas 
no gesso da memória;

a vida feita dos seus 
corpos obscuros e das suas palavras 
próximas.

Nuno Júdice, A Vida
in Teoria Geral do Sentimento, Quetzal Editores, Março 1999 

Bom Ano 2018 para todos os amigos e leitores!

G-S

Fragmentos Culturais

29.12.2017
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sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

Zé Pedro : Para sempre !






créditos: Público/ Paulo Pimenta, 1999


“Pensas que eu sou um caso isolado 
Não sou o único a olhar o céu
A ver os sonhos partirem 
À espera que algo aconteça”, 

Xutos & Pontapés, Não sou o único




créditos: Lusa/ José Sena Goulão
Rock in Rio 2016




créditos: Lusa/ Nuno Veiga, 2001




créditos: Lusa/ Miguel A. Lopes, 2010




Zé Pedro, tributo a sua mãe
créditos: Público/ Autor não identifacado, 2007


O nosso amor de sempre
Brilhará, p'ra sempre
Ai, meu amor
O que eu já chorei por ti
Mas sempre
P'ra sempre
Vou gostar de ti,
Xutos & Pontapés, Para Sempre







G-S

Fragmentos Culturais

01.12.2017
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domingo, 5 de novembro de 2017

Volto ao cinema : Três filmes baseados em factos verídicos !





Victoria & Abdul
Judi Dench & Ali Fazal
Stephen Frears, 2017

"God save Judi Dench, protector of tat, defender of bad films and the imperious queen of Stephen Frears’ suspect British costume drama, which screens out of competition at the Venice film festival."

Xan Brooks

É assim que Xan Brooks no The Guardian abre a sua crítica sobre o filme Victoria & Abdul. E não posso estar mais de acordo. Voltarei a este filme mais abaixo.

Bom, de volta ao cinema. Depois de tempos difíceis, procuro, não raras vezes, filmes mais leves ou comédias com interesse real.

Mas, busco, também, filmes baseados em livros ou factos ou pessoas reais. E é este género cinematográfico, denominado biopic (filme biográfico), que me tem levado ao cinema neste último mês.

Sempre que posso, lá estou. Perdida em mim, desfazendo-me do quotidiano, em frente a um grande ecrã. 

O cinema transmite-me bem estar, intimidade, tranquilidade (sempre que é possível - há alguns espectadores que puxam do smartphone, mesmo no cinema? - mas regra geral, na sessão horária que mais frequento, não são muitos.




Stronger
David Gordon Green, 2017

Começo então com o filme que vi ontem, sábado. Stronger, A Força de Viver (tradução em português).

Stronger é um drama biográfico inspirado da vida real de Jeff Bauman, um homem comum que captou os corações de sua cidade e do mundo ao tornar-se um símbolo de esperança, ao sobreviver ao atentado durante a Maratona de Boston em 2013.

O filme acompanha Bauman que perde as pernas quando assistia à Boston Marathon para apoiar a sua namorada, a maratonista Erin Hurley (Tatiana Maslany). Bauman tenta adaptar-se à sua nova vida, muma luta diária de sobrevivência emocional e física.






Jeff Bauman & Jake Gyllenhaal
Toronto Film Festival 2017
credits: REUTERS/Fred Thornhill

Stronger foi exibido em Septembro último no Toronto International Film Festival 2017. Tem recebido críticas bastante positivas elogiando a seriedade com que o filme foi realizado. 

A interpretação de Gyllenhaal no papel de Jeff Bauman é intensa e bem proporcionada ao drama da vida real que interpreta. Bauman e a mulher Erin Hurley aparecem no final do filme, um pouco ao estilo make-over.



Jeff Bauman & Jake Gyllenhaal
credits: Getty Images
“We have a lot of similarities,” but “the friendship came from asking the hard questions. And we continue to do that together.”
Jake Gyllenhaal

Jake Gyllenhaal é filho do realizador Stephen Gyllenhaal. Lembro da sua interpretação num filme baseado numa saga de vídeojogos, Prince of Persia. Mais tardevi-o no drama Brokeback Mountain que foi galardoado com três Oscars.

Aqui, Jake Gyllenhaal interpreta Bauman. O actor que é conotado com alguma excentricidade segundo alguns críticos, neste filme, entrega-se à interpretação empenhada de um homem muito jovem em fase de busca de maturidade e que é apanhado pela vida de uma forma brutal. E penso que consegue passar esse dramatismo no ecrã, quando estabelece um paralelo do esforço único de voltar a andar.




Victoria & Abdul
Stephen Fryers, 2017

Baseado numa história verídica, Victória & Abdul, Victoria e Abdul, de Stephen Frears, (um dos meus favoritos, e de quem já sentia falta), retrata uma amizade improvável durante os últimos anos do extraordinário reinado da Rainha Victória (Judi Dench)

Quando Abdul Karim (Ali Fazal), um jovem súbdito indiano, viaja da Índia para Londres com a missão de entregar um presente à rainha, durante Jubileu de Ouro da Rainha, em 1887 - celebração de 50 anos de domínio sobre o Império Britânico - é surpreendido ao cair nas boas graças da Rainha. 







Enquanto a Rainha começa a questionar as constrições do seu já longo cargo, cria-se uma aliança inesperada entre os dois, sendo a lealdade que têm um para com o outro ameaçada tanto pela família como pelo círculo restrito da Rainha. 

The emotion between Victoria and Abdul is “why the story is so utterly intriguing,” (...) “It’s not just a feeling of love, but of the delight of being able to be relaxed with somebody without anybody around.”

Judi Dench

Judi Dench, uma excelente actriz que preenche todas as personagens que interpreta com muita qualidade, já havia trabalhado com Frears. Aqui, novamente, desenvolve uma interpretação muito próxma da dramaturgia. 

É um filme baseado em factos históricos, contados seguindo uma visão britânica do tempo do colonialismo.

Falta talvez o impulso visual a que Frears nos habituou. Como afirmava Wim Wnders de passagem por Lisboa, para receber o Prémio Europeu Helena Vaz da Silva para a Divulgação do Património Cultural, os anos passam, e a idade vai alterando o modo como olhamos para as coisas.

Eu gostei imenso. Filme lindíssimo, argumento sólido, espaços de grande beleza cénica, fotografia de muita qualidade.





Elis
Hugo Prata, 2016

"'Elis, o filme, está imbuído da alma da cantora e do país que ela amava."

Globo Filmes

Cinebiografia da cantora Elis Regina, Elis é uma apresentação, em estilo muito pessoal e quase intimista, da vida de uma das maiores cantoras do Brasil.

A vida de Elis Regina - indiscutivelmente a maior cantora brasileira de todos os tempos - pelo menos para mim - é contada num ritmo energético e pulsante, bem ao jeito de Elis, a "pimentinha" ardente. Viveu freneticamente. Vida turbulenta. Vida curta.

Elis sinalizou a mudança de estilos de Bossa Nova para MPB. Elis Regina Rapidamente foi reconhecida como a maior voz do Brasil, no seu país e além fronteiras. Uma carreira intercalada de momentos tempestuosos e momentos áureos.

A cantora é interpretada pela actriz Andréia Horta que faz uma colagem brilhante a Elis.






É um filme de saudade. Ouvir a voz de Elis Regina nos seus maiores êxitos na figuração dos seus concertos ao vivo foi um momento de afectos que colamos, muitas vezes, às suas canções. Fascinação continua a ser o meu afecto maior.

O filme salta das tonalidades quase penúmbricas para outras cheias de cor que transmitem os instantes de uma vida agitada de enorme talento.

Para quem admira a voz de Elis e continua a ouvir a sua música. 

G-S

Fragmentos Culturais

05.11.2017
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domingo, 15 de outubro de 2017

Parabéns Agustina !






Agustina Bessa-Luís
créditos: Panavideo

"A arte não pode ser política, nem sujeição social, nem glosa duma ideia que faz época; nem mesmo pode estar de qualquer forma aliada ao conceito «progresso». É algo mais. É o próprio alento humano para lá da morte de todas as quimeras, da fadiga de todas as perguntas sem solução."

Agustina, Arte Comprometida
in Dicionário Imperfeito, p.21, Guimaraes Editores, 2008

Agustina Bessa-Luís celebra hoje, dia 15 Outubro, 95 anos. Jé expressei frequentemente neste blog a minha admiração e respeito por Agustina. Pela sua obra e pelo ser humano que tive o imenso privilégio de conhecer e com quem conversei, mais do que uma vez.

Esta janela aberta sobre o jardim, foto com que iniciei esta publicação, traz-me a imensa nostalgia da nossa conversa, nessa  mesma sala, versando sobre livros, literatura, música e vida.





Lançamento da obra de Agustina
Ensaios e Artigos 1951-2007 
Serralves 2017


Durante 56 anos, Agustina Bessa-Luís publicou inúmeros textos sobre temas muito diversos, em órgãos de comunicação social portugueses que são revelados pela Fundação Gulbenkian numa edição em três volumes intitulada Ensaios e Artigos (1951-2007).




Ensaios e Artigos (1951-2007)
Volume I
Agustina Bessa-Luís
Gulbekian


Lamento profundamente que a escritora se tenha retirado, por motivos de saúde. As suas palavras apenas nos chegam pela voz de sua neta.  Não é, de modo algum, a mesma coisa.

Uma imensa cultura, em diálogo de uma simplicidade sorridente,  um olhar aberto, sincero, despretensioso, pondo de parte a intelectualidade:

"Para mim, um exemplo do que deve ser um intelectual é aquele que, desde o princípio da sua vocação, se apercebe nebulosamente, de que o  mundo não pode ser compreendido unicamente pelo intelecto, pelo dom o espírito. Há também os dons do coração, que não menos importantes."

Agustina, Intelectual
in Dicionário Imperfeito, p.147, Guimaraes Editores, 2008





O Livro de Agustina
uma autobiografia
Guerra e Paz Editores, 2014

O livro é a única autobiografia existente de Agustina. Escrita para a Guerra e Paz Editores, foi como um primeiro volume – do nascimento ao 25 de Abril – na convicção que escreveria uma segunda e última parte. 

E como tal não pode acontecer, esta obra tem um valor simbólico e emocional. Um relato que evoca lugares, personagens e raízes familiares.

«E acho que o texto está muitíssimo bem adaptado àquele grafismo. Acho que é um belo livro.»

Agustina Bessa Luís

A escritora escreveu o texto, deu as fotografias do seu arquivo pessoal. 

«… um belo livro sobre uma personagem extraordinária – e uma meditação sobre a vida que Agustina aceita descrever.»

Fernando José Viegas




Agustina Bessa Luís
créditos: Ricardo Mendes

Sem dúvida que Agustina é uma personalidade literária extraordinária. Uma das maiores escritoras portuguesas. 

Deixo nesta curta celebração, um abraço bem sentido de parabéns, e uma imensa nostalgia de não poder mais cruzar-me com ela, nas ruas da cidade. E na livraria Bertrand, Boavista, Porto. E votos de bem estar. 

"Não sou vaidosa. Sou contente, sou feliz e agradecida dos meus dotes de coração, dos meus talentos,da luz dos meus olhos, da saúde física, do vigor moral. Bens momentâneos - bem o sei.
Valores falíveis e facilmente dispersos no tempo. Mas é nesta alegria, nesta exaltação vital, que está o meu cântico à vida - humano e, contudo, esplêndido, divino e, contudo, humilde."

Agustina por Agustina
in Dicionário Imperfeito, p.14, Guimaraes Editores, 2008

É desta Agustina que tenho saudades. Muitas.

G-S

Fragmentos Culturais

15.10.2017
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domingo, 24 de setembro de 2017

Outono ! Tempo de vulnerabilidade !





The Mulberry Tree in Autumn 
Van Gogh, 1889

Outono caiu abrupto sobre a cidade. Sentia-se já nos aromas e numa luminosidade leve, bem pálida.

O sol deu alento aos primeiros dias, mas cedo se esvai. Dia de domingo e com este prenúncio de chuva? Vou estender-me no sofá e ler um livro. 

Só me levantarei pela hora de fazer um chá. Um chá de folhas de menta-ananás colhidas de um dos vasos do meu mini-jardim de aromáticas.

Mas depois volto à leitura. E por que não um zapping? Posso ter a sorte de apanhar um bom filme. 

Aproveito para rever a agenda electrónica da semana. Venho de novo escrever por aqui. Olho da janela o céu cinzento-pardo a preparar-se para um dia triste. Vou em busca de agasalho.

Tempo ideal para ler, escrever, ouvir música. E por falar em ler, Maria Teresa Horta escreveu o seu poema de Outono (2017) que li na sua página oficial. Lindo!

Outono está de volta. Tempo de recolhimento dos seres mais delicados. Tempo da casa, dos objectos que têm um significado especial e que trazem doces lembranças. Tempo de intimidade. Alguma vulnerabilidade.

Equinócio do Outono 

O calor começa a abandonar
os espaços à nossa roda
e a noite no seu lentíssimo vagar

vai ganhando à claridade

enquanto eu, que há horas
erro por entre as árvores
dou conta do seu esgarçar

assim como da pressa dos pequenos
animais tentando escapar das sombras
secretas, dos rios e das folhas caídas

enquanto aqueles que hibernam
retomam a eterna
busca de grutas e das cavernas

- Equinócio do Outono!

- Sei, estremecendo
no crepúsculo, enevoada
e clamo assustada:

- Oh, meu amor!

Gemendo de saudade
e abandono, enquanto
sigo as pegadas da paixão

Mas o meu amante cruel
e vulnerável
persegue a sua rota, indiferente
ao meu apelo de entrega

- Oh, meu amado!

- Leva-me contigo até
à temperança da fusão
do tempo e dos espaços celestes

"noite igual ao dia" - sei

Nos equinócios de outono
o meu amante nada no frio
das quedas de água

e sozinha esgueiro o meu olhar
em busca do exacto instante
em que o sol cruza o equador celeste

gemendo de saudade e abandono

Maria Teresa Horta, Equinócio do Outono
Setembro 2017

G-S

Fragmentos Culturais

23.09.2017
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