The Mulberry Tree in Autumn
Van Gogh, 1889
Outono caiu abrupto sobre a cidade. Sentia-se já nos aromas e numa luminosidade leve, bem pálida.
O sol deu alento aos primeiros dias, mas cedo se esvai. Dia de domingo e com este prenúncio de chuva? Vou estender-me no sofá e ler um livro.
Só me levantarei pela hora de fazer um chá. Um chá de folhas de menta-ananás colhidas de um dos vasos do meu mini-jardim de aromáticas.
Mas depois volto à leitura. E por que não um zapping? Posso ter a sorte de apanhar um bom filme.
Aproveito para rever a agenda electrónica da semana. Venho de novo escrever por aqui. Olho da janela o céu cinzento-pardo a preparar-se para um dia triste. Vou em busca de agasalho.
Tempo ideal para ler, escrever, ouvir música. E por falar em ler, Maria Teresa Horta escreveu o seu poema de Outono (2017) que li na sua página oficial. Lindo!
Outono está de volta. Tempo de recolhimento dos seres mais delicados. Tempo da casa, dos objectos que têm um significado especial e que trazem doces lembranças. Tempo de intimidade. Alguma vulnerabilidade.
Equinócio do Outono
O calor começa a abandonar
os espaços à nossa roda
e a noite no seu lentíssimo vagar
os espaços à nossa roda
e a noite no seu lentíssimo vagar
vai ganhando à claridade
enquanto eu, que há horas
erro por entre as árvores
dou conta do seu esgarçar
erro por entre as árvores
dou conta do seu esgarçar
assim como da pressa dos pequenos
animais tentando escapar das sombras
secretas, dos rios e das folhas caídas
animais tentando escapar das sombras
secretas, dos rios e das folhas caídas
enquanto aqueles que hibernam
retomam a eterna
busca de grutas e das cavernas
retomam a eterna
busca de grutas e das cavernas
- Equinócio do Outono!
- Sei, estremecendo
no crepúsculo, enevoada
e clamo assustada:
no crepúsculo, enevoada
e clamo assustada:
- Oh, meu amor!
Gemendo de saudade
e abandono, enquanto
sigo as pegadas da paixão
e abandono, enquanto
sigo as pegadas da paixão
Mas o meu amante cruel
e vulnerável
persegue a sua rota, indiferente
e vulnerável
persegue a sua rota, indiferente
ao meu apelo de entrega
- Oh, meu amado!
- Leva-me contigo até
à temperança da fusão
do tempo e dos espaços celestes
à temperança da fusão
do tempo e dos espaços celestes
"noite igual ao dia" - sei
Nos equinócios de outono
o meu amante nada no frio
das quedas de água
o meu amante nada no frio
das quedas de água
e sozinha esgueiro o meu olhar
em busca do exacto instante
em que o sol cruza o equador celeste
em busca do exacto instante
em que o sol cruza o equador celeste
gemendo de saudade e abandono
Maria Teresa Horta, Equinócio do Outono,
Setembro 2017
G-S
Fragmentos Culturais
23.09.2017
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